Albert Jacquard legou-nos este belo conceito «Humanitude é um tesouro de compreensões, de emoções e, sobretudo de exigências, que só existe graças a nós próprios e se perderá se desaparecermos». Remete-nos para a ideia que somos hoje o contributo dos nossos ancestrais, de que para continuarmos o nosso processo de hominização, para evoluirmos como espécie precisamos de outros homens. E adverte-nos que a nossa principal missão na terra é beneficiar do tesouro já acumulado e continuar a enriquecê-lo. Tal é um imperativo ético para cada um de nós e para os que vierem depois de nós. Que tremenda responsabilidade!

Yves Gineste e Rosette Marescotti fizeram deste conceito uma filosofia prática além de uma filosofia de relação. Ensinam-nos como podemos oferecer os nossos olhares, as nossas palavras, os nossos toques afectivos, manter a verticalidade, como podemos transformar os nossos gestos cuidativos nas oferendas de que nos fala Jacquard.
Mostram-nos a essência subtil do cuidado que permite à pessoa em situação de vulnerabilidade, em processo de demência sentir-se, apesar das suas perdas, um humano entre os humanos e não um excluído, um marginalizado, um enjeitado na grande família humana.

Os procedimentos humanitude (técnico-relacionais) que Gineste e Marescotti construíram são replicáveis e aplicáveis nas várias áreas de cuidados e em diversos contextos e levam aos mesmos resultados. Ensinam-nos também a valorizar cuidados facilmente delegáveis, a transformá-los em cuidados profissionais especializados, muito gratificantes, como o caso dos cuidados de higiene.
 
Ajudam-nos, como cuidadores, a tomar consciência de que é fácil destruir as particularidades que permitem à pessoa de que cuidamos reconhecer-se como um ser humano e um ser humano único, com a sua identidade, a sua Humanitude. Ensinam-nos a estar vigilantes, a questionarmo-nos perante quadros de degradação humana, de pessoas em limbo geriátrico. Qual é o meu contributo nesta situação? Qual é a minha responsabilidade, como colectivo profissional, como colectivo cuidador? Como membro duma instituição?

Não nos deixam margem para desculpas: faltas de meios materiais, falta de tempo… O que nos ensinam passa por uma melhor utilização de nós próprios, de encontrarmos e utilizarmos estratégias, mudanças de paradigma, de nos empenharmos a aperfeiçoar e aprender a tirar partido das ferramentas de que somos dotados. De que me vale ter um equipamento topo gama, com muitos programas se só sei utilizar um, dois ou três?

A Humanitude leva-nos também a um outro olhar sobre mim próprio, eu também sou uma pessoa, sobre os meus colegas de equipa. Somos pessoas que precisamos uns dos outros para crescer e evoluir profissionalmente. Em caso algum posso destruir a minha saúde e permitir que destruam a minha humanitude ou ajudar a destruir a dos meus companheiros de jornada terrena. Obriga-nos a estar vigilantes para não cairmos em processos de violência simbólica, tão devastadora como a violência física.
O que Gineste e Marescotti construíram e colocam à nossa disposição são dádivas que não têm outro preço que não seja a nossa imensa gratidão.

Nídia Salgueiro

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